Chegamos à metade do ano, época de uma das mais tradicionais festas brasileiras: a Festa Junina. A celebração mais esperada por mim na infância, depois do Natal, é claro.
Origem e tradições
O costume foi trazido ao Brasil pelos portugueses no período colonial, por meio das festas religiosas em devoção aos santos padroeiros. Antes de serem incorporadas ao rito católico, as festas eram rituais pagãos realizados durante os solstícios no hemisfério norte, no mês de junho. A Igreja substituiu a adoração às divindades pagãs pelos santos católicos.
Já no Brasil, com a realização de procissões e missas em homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro, acompanhadas das quermesses beneficentes, sofreram influências dos costumes locais, como tradições indígenas e africanas.
A magia da festa
Uma celebração alegre, colorida e perfumada — um aroma delicioso que só se encontra nessa data —, onde o milho é o personagem principal e o amendoim, o seu coadjuvante! Balões e bandeirinhas de papel decoram o espaço, aquecido por uma fogueira, cercado de barracas com apetitosos doces e salgados: cuscuz, pamonha, canjica, paçoca e pé de moleque, só para citar alguns. Sem esquecer das bebidas: vinho quente, quentão e suco de milho.
A diversão fica por conta das brincadeiras, como o bingo, argolas e pescaria, além da estrela principal: a quadrilha. Um verdadeiro espetáculo, onde adultos, jovens e crianças se divertem fantasiados de "caipirinhas" ao som de músicas típicas. Há até competições, como as tradicionais festas juninas do Nordeste, caso da Festa de São João de Caruaru, que ainda não tive a oportunidade de conhecer, mas adoraria!
Um costume em transformação
Porém, as comemorações andam um pouco esquecidas em alguns lugares. Raramente se encontra aquela festa "raiz", com danças, corrida de saco e pau de sebo. Talvez em virtude da era digital, onde cada vez mais as telas tomam o lugar do real. Bem, são outros tempos! Surgem novos hábitos, e as tradições se adaptam.
Santo Antônio, o casamenteiro
Segundo a tradição popular, Santo Antônio é conhecido como o santo casamenteiro. Conta-se que uma jovem, prestes a ser levada à prostituição para sustentar a família, rezou ao santo pedindo ajuda. Durante a oração, um bilhete caiu de sua imagem, endereçado a um comerciante, ordenando que ele desse à moça o "peso do papel em moedas". O homem, incrédulo, colocou o bilhete em uma balança — mas, por mais moedas que adicionasse, o papel sempre pesava mais. No fim, ele entregou 400 escudos à jovem, que, com a fama do milagre, não faltaram pretendentes. Logo ela se casou, e a lenda do santo se espalhou.
A história de Clotilde e Manoel
(Inspirada no milagre do santo casamenteiro)
A fama do santo correu mundo, chegando a épocas distintas até encontrar Clotilde, uma moça simples do interior, solteira, já "passada da idade", como diziam os mais antigos, que desejava ardentemente se casar.
Ela esperava que um dia chegaria à sua vila um homem alto, forte e bonito que a levaria ao altar. A cada ano que passava, uma amiga ou parente sua se casava. Até a "sem-graça" da Magali, sua vizinha fofoqueira, iria se casar na primavera, e nada desse príncipe chegar. Não que lhe faltassem pretendentes, mas os moços da vila, para ela, deixavam a desejar.
Até que, cansada de esperar, na noite da fogueira de Santo Antônio, ela prometeu diante da imagem que, se muito em breve se casasse, assim que tivesse um filho, daria a ele o nome de Antônio, deixando as qualidades do pretendente por conta da divindade.
E eis que, na noite de São João, chega ao vilarejo Manoel, sobrinho do português dono da única venda da região. Com o coração partido, fora abandonado por sua noiva Janaína, que havia fugido com um doutor lá para as bandas do litoral.
Mané, como seus tios o chamavam, não era nem alto nem forte, falava manso e, apesar de sua tristeza, tinha um sorriso encantador, conquistando o coração da exigente Clotilde. Precisamente um ano depois, o padre Juarez celebrava as bodas de Clotilde e Manoel na capelinha da vila, assim como, alguns anos depois, batizou as três crianças do casal: Maria, Ana e Antônio, calando a boca de Magali, que dizia que, por causa da idade, dificilmente ela teria filhos.
Mas a história não acaba aqui…
Passam-se os anos. Manoel herda a venda dos tios, e Clo, como agora é chamada carinhosamente pelo marido, é surpreendida pela filha mais velha quando esta anuncia que vai estudar Direito na capital.
Clo fica apreensiva: não é bom que a filha fique muito tempo solteira — pode não ter a sorte dela e acabar ficando para "titia", como a irmã mais nova da Magali, sua antiga vizinha. Mas, por outro lado, na capital, terá a chance de encontrar um bom partido, além de se tornar doutora.
No ano seguinte, Ana segue os mesmos passos da irmã e vai estudar na capital. E Antônio? Este divide seu tempo entre a venda do pai e os flertes com as mocinhas casadoiras da vila, deixando os estudos para o tempo que sobra — como se lhe sobrasse algum tempo no afã de viver as aventuras da juventude. Mais uma preocupação para a mãe, que, sonha em ver os filhos casados e doutores.
Certo dia, chega à venda Magali. Seu único filho, um pouco mais velho que Maria, era carteiro na cidade vizinha.
— Oi, Clotilde! Tudo bem? Vim buscar um novelo para tricotar um casaquinho para o meu neto, que chegará em breve.
— Que notícia maravilhosa! Meus parabéns!
— Obrigada! Logo minha casa estará cheia de crianças. E suas filhas, já se casaram?
— Não! Elas vão terminar os estudos primeiro. Serão doutoras para depois se casar — respondeu orgulhosa, mas, por dentro, sentindo um pouco de inveja da outra.
Magali, sentindo-se diminuída e já sabendo a resposta, cutucou:
— Faz tempo que elas foram estudar na capital. Noivas ou namorando a sério elas estão, né? Se não, vão acabar que nem minha irmã, pobrezinha! Já passou dos 30 e não se casou!
Nesse instante, Clotilde sentiu seu rosto queimar. Engoliu aquela bola de fogo que se formava em sua garganta e respondeu:
— Pretendentes não faltam. Elas podem e devem escolher com calma. Este ano, Maria se forma, e no próximo é a vez de Ana. Iremos fazer um cruzeiro com toda a família para comemorar. Agora, se tivéssemos a casa cheia de netinhos, com certeza não poderíamos viajar.
Em silêncio, Magali pegou sua compra e saiu, passando por Manoel, que chegava, sem encará-lo.
— Mas o que deu na Magali, que nem me cumprimentou?
— Mané, precisamos de um neto! — disse afoita a esposa, dirigindo-se para os fundos da loja.
— Precisamos? Como assim, mulher? E que história é essa de cruzeiro? — perguntou, saindo atrás dela sem entender nada.
Algumas semanas se passam. O casal está na venda, e Antônio corre para casa para se preparar para a quermesse — era véspera de Santo Antônio. Tinha um encontro. Ao passar pela cozinha para beber água, depara-se com um objeto inusitado em cima da geladeira, bem no canto, próximo à parede: um copo com água e, dentro, uma minúscula imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo.
Quando puxou o copo para observar melhor, caiu no chão um pequeno pedaço de papel, e nele estava escrito em letras garrafais:
"SANTO ANTÔNIO, QUERO UM NETO. CLO”
Ele riu do desespero da mãe e resolveu pregar-lhe uma peça. Devolveu o copo do jeito que estava para o lugar, mas antes surrupiou o papel, amassando-o e colocando no bolso para depois jogá-lo na fogueira. Queria que ela pensasse que o papel havia sumido misteriosamente.
Jamais confessaria o que tinha feito à mãe. E o mais estranho é que ela nunca perguntou sobre o seu paradeiro.
A característica neblina do mês de agosto começava a dar os primeiros sinais ao cair da noite. Clo estava na cozinha preparando um caldo verde para o jantar. Mané ajudava a descascar as batatas ao seu lado.
Ana e Maria não tinham vindo naquele fim de semana, e Antônio tinha saído para dar uma volta antes do jantar. Quando, de repente, o filho entra de mãos dadas com Margot.
— Temos ótimas notícias!
Os pais observam atônitos — não sabiam que eles tinham se tornado um casal.
— Margot e eu vamos nos casar…
Quando Clo abre a boca para interrompê-lo, dizendo que ele ainda é muito novo e que precisa terminar os estudos, o rapaz completa:
— … e em poucos meses o seu neto vai chegar!
Em choque, a devota de Santo Antônio sente as pernas amolecerem enquanto a vista escurece. O marido não consegue amortecer a sua queda a tempo. E ele desata a rir — não se sabe se de nervoso ou de alegria. Afinal, Margot será sua nora, a irmã caçula de Magali.
Festa Junina é muito mais que uma comemoração: é um encontro de fé, tradição e fantasia. Seja nas quermesses, nas danças ou nas histórias milagrosas dos santos, ela mantém viva a cultura brasileira. E, como mostra a história de Clotilde, até os pedidos mais improváveis podem se realizar — basta acreditar e, quem sabe, fazer uma promessa a Santo Antônio!
E você? Tem alguma história ou tradição junina especial?
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A tradição da Festa de Santo Antonio na Igreja Católica.
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